Existe uma íntima relação entre Maria Santíssima, a Mãe de Jesus, o mistério da misericórdia divina e a prática da misericórdia. Maria está desde a sua concepção envolta na misericórdia infinita do Pai, pelo Filho e no Espírito (preservada do pecado e do demônio), ao mesmo tempo em que o seu agir – antes e depois da sua Assunção – está assinalado pelo amor efetivo aos seres humanos (especialmente pelos pecadores e sofredores).
Oficialmente a Igreja Católica aprovou a 15/8/1986 o formulário da Missa Votiva “Santa Maria, Rainha e Mãe de Misericórdia”, importante marco para a história de sua veneração – sem nos esquecermos que a 30/11/1980 o Papa João Paulo II destacara na sua Encíclica Dives in misericordia que Maria é a “pessoa que conhece mais a fundo o mistério da misericórdia divina” (n. 9). Anos depois o Catecismo da Igreja Católica (1997) dirá que ao rezar na Ave-Maria: “rogai por nós, pecadores”, estamos recorrendo à “Mãe da misericórdia” (n. 2677).
A invocação “Salve, Rainha de misericórdia” se encontra pela primeira vez com o Bispo Adhémar, de Le Puy (+ 1098); destaca a qualidade do olhar materno de Maria: “esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei”, e conclui com o sentido desta sua misericórdia: “ó clemente, ó piedosa, ó doce, Virgem Maria”.
Já o título “Mãe de Misericórdia” se crê que foi dado pela primeira vez a Maria por Santo Odão (+942), abade deCluny. “Ego sum Mater misericordiae” (Eu sou a Mãe de Misericórdia), Maria lhe teria dito em sonho.
No mundo oriental podemos encontrar testemunhos ainda mais antigos. O padre oriental da Tiago de Sarug (+521), aplicou a Maria explicitamente o título de “Mãe de misericórdia” (Sermo de transitu), o que é por muitos considerado como sua primeira atribuição em absoluto.
Em Vilna, capital da Lituânia, se venera a imagem da Mãe da Misericórdia de Aušros Vartai (Portal da Aurora) desde 1522, localizada numa das entradas do antigo muro. Em 1773 o Papa Clemente XIV concedia indulgências a quem rezasse ali com devoção, e em 1927 o Papa Pio XI permitiu que a pintura fosse solenemente coroada com o título de Maria, Mãe de Misericórdia. Sua festa é celebrada a 16 de novembro.
Em nossos tempos, Santa Faustina Kowalska†, mística polonesa, nos repropõe a centralidade da Divina Misericórdia para a fé e a vida da Igreja, recorrendo a Maria Santíssima como Mãe da Misericórdia, padroeira da Congregação religiosa a que pertencia (cf. Diário 79, 449, 1560), cuja festa celebravam (a Congregação) em 5 de agosto. Por Providência divina, a primeira vez em que a imagem de Jesus Misericordioso foi publicamente venerada foi justamente em Vilna (cf. Diário, 417).
Sem cometer o grave equívoco de pensar que a misericórdia é reservada a Maria e a justiça a Jesus (como muitos medievais chegaram a pensar), o título “Mãe da Misericórdia” ou “Mãe de misericórdia” assim se justifica: Maria é a mulher que experimentou de modo único a misericórdia de Deus – que a envolveu de modo particular desde a sua Imaculada Conceição, passando pela Anunciação, como discípula fiel do seu Filho, até o grande momento da Sua Páscoa (paixão, morte, ressurreição, glorificação e Pentecostes). Ela é kecharitoméne, “cheia de graça”, ou seja, totalmente transformada pela benevolência divina (cf. Ef 1,6).
Maria é a mãe que gerou a misericórdia divina encarnada – graça extraordinária que coloca a jovem Maria, a partir da Encarnação do Filho de Deus, numa relação inimaginável de intimidade com o próprio “Pai das misericórdias” (2Cor 1,3). A partir do seu “eis-me aqui” e o seu “faça-se”, a misericórdia divina se faz carne e entra na história!
Maria é a profetisa que exalta a misericórdia de Deus – pois no seu cântico o “Magnificat” por duas vezes – unida ao Filho do Altíssimo e ao seu Espírito – ela louva ao Pai misericordioso: “a sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem”; “socorreu Israel, seu servo, lembrando-se de sua misericórdia” (Lc 1,50.54).
Maria é a intercessora incansável do povo de Deus – elevada aos Céus em corpo e alma, Maria não deixa de apresentar as necessidades dos fiéis ao seu Filho, a quem rogou pelos esposos de Caná, quando vivia na terra (cf. Jo 2,1ss). Ela “continua a alcançar-nos os dons da salvação eterna”, ensina o Concílio Vaticano II (Lumen gentium, n. 62), praticando assim a misericórdia, sobretudo para com os que padecem dos males da alma (pecadores), mas também do corpo (todos que sofrem).
Maria é a apóstola incansável da misericórdia divina – com a permissão e o envio do seu Filho, Maria visitou inúmeras vezes os seus filhos ainda peregrinos neste mundo, o que podemos contemplar nas aparições que já gozam de beneplácito eclesial (Guadalupe, La Salette, Lourdes, Knock, Fátima etc.), convidando a todos a se aproximarem do “trono da graça” que é o seu Filho. Com o seu coração compassivo de Mãe, não poderia permanecer indiferente às mazelas dos seus filhos neste vale de lágrimas!